Origem e intercâmbio e tudo que tem a ver
A minha família é muito
diversa, meu pai é mineiro (de Sete Lagoas) e minha mãe é paulista (de Águas de
Lindoia). Minha avó materna é de Capim Branco – MG e
meu avô é de Sete Lagoas (assim como meu pai e eu). Não há muitos registros
sobre meus bisavós e tataravós, tudo que sei sobre eles, são as histórias que
minha vó contava sobre o quanto a vida na roça que eles moravam era sofrida.
Meus avós paternos nunca viveram na cidade, assim como os pais deles. As memórias
transitaram pela oralidade. Por questões geográficas, eu nascida em Sete Lagoas
tive muito mais contado com a família do meu pai do que com a da minha mãe. Minha
família paterna é formada por pessoas negras e brancas.
Minha mãe é
nascida em Águas de Lindoia – SP, minha vó materna é portuguesa, vinda ao
Brasil aos 4 anos de idade, não se sabe muito sobre a história dos pais dela,
muitos documentos se perderam, minha mãe diz que o trâmite se deu de forma
ilegal e que depois se legalizou. Meu avô materno é brasileiro filho de um
espanhol com uma mulher que minha mãe diz ser de origem árabe. Eu nunca conheci
meu avô, minha vó apenas tive alguns contatos na infância em uma ou outra
viagem que fizemos à São Paulo. Pouco antes de alcançar minha adolescência,
meus avós maternos faleceram. Minha mãe não tem nenhum contato com parentes de
outras nacionalidades. As pessoas que conheci da minha família materna são
brancas. Minha mãe ao se casar com meu pai perdeu 90% do vínculo familiar dela,
ela também relata que passou parte da infância com a madrasta e que desconhece
totalmente a origem de sua família e que a vida na periferia de Praia Grande
sempre foi sua realidade, até conhecer meu pai.
E eu estou
dizendo tudo isso sobre a minha origem porque acredito na importância da gente
se conhecer antes de conhecer lá fora, sabe? Os impactos que o “lá de fora”
pode causar vem muito do que a gente é aqui, e às vezes não sabe ou não conscientiza.
Eu podia entrar num papo de
Existencialismo e tudo mais, mas não acho que isso neste momento agrega essa
conversa.
Quando proponho
no meu trabalho que vejo a experiência de mobilidade não só como a ida ao
exterior, é um pouco sobre essa questão que levanto agora.
Estou falando de uma experiência que começa quando a gente começa a cogitar a possibilidade de intercâmbio e que pode nunca acabar. Sair do país por 5 meses ou um ano é apenas uma vivência de uma experiência maior. E que é muito significativa para nós, estudantes assistidos da UFMG, que vão ter o seu primeiro contato com o “lá fora”.
Um autor muito especial, que passei a ter contato agora na FaE, chamado Frantz Fanon, relata algumas experiências de negros e negras na França, ele fala sobre o comportamento que essas pessoas, vindas de países colonizados e que tem suas origens em povos escravizados, produziram quando tiveram a sua primeira ida ao exterior, e como o lugar de origem passa a vê-las (por terem ido à Europa) e como elas mesmas se veem antes, durante e depois da ida ao país. O livro se chama “ Pele negra máscaras brancas” e está disponível por aí.
Estou falando de uma experiência que começa quando a gente começa a cogitar a possibilidade de intercâmbio e que pode nunca acabar. Sair do país por 5 meses ou um ano é apenas uma vivência de uma experiência maior. E que é muito significativa para nós, estudantes assistidos da UFMG, que vão ter o seu primeiro contato com o “lá fora”.
Um autor muito especial, que passei a ter contato agora na FaE, chamado Frantz Fanon, relata algumas experiências de negros e negras na França, ele fala sobre o comportamento que essas pessoas, vindas de países colonizados e que tem suas origens em povos escravizados, produziram quando tiveram a sua primeira ida ao exterior, e como o lugar de origem passa a vê-las (por terem ido à Europa) e como elas mesmas se veem antes, durante e depois da ida ao país. O livro se chama “ Pele negra máscaras brancas” e está disponível por aí.
No fim das
contas, o capítulo 1 do livro fala muito sobre o homem negro que tenta se “embranquecer”
ao fazer o RR do sotaque francês e como ele passa ser visto como um semi-deus
pela comunidade da qual saiu, pelo fato de ter ido à França.
Enquanto
latinamericana, eu não consigo não fazer associação com a minha experiência e
com relatos de colegas e uma série de questões que esse capítulo apresenta,
dentro do que o meu lugar me possibilita falar.
E o lugar é
da pessoa que sai do país que sofreu colonização e vai para a terra do
colonizador em tempos onde muito se tem falado sobre descolonização ou
decolonialismo.
Quando eu
comecei a escrever sobre intercâmbio prometi nunca dar nenhuma receita de bolo
no quesito “comportamento” dado que digo em outro momento que a experiência é construída
por quem a vive e de acordo com o contexto na qual está inserida. Mas, espero
que a leitora ou o leitor, veja este texto mais como uma reflexão do que como
uma receita a se ser seguida.
Ao falar da
minha árvore genealógica, duas coisas podem ser percebidas: a primeira é que de
ambos os lados, existe uma falta de registros de pessoas, ou seja existe uma
memória apagada, que não se conhece. E a segunda é que eu venho de uma família
da margem, apesar das origens europeias que minha mãe carrega. E eu acredito
que isso já diz muita coisa sobre mim e diz muita coisa sobre o que as pessoas
pensaram quando eu anunciei que consegui uma vaga de intercâmbio para Portugal.
E de uma série de comportamentos que as pessoas esperavam que eu tivesse, comportamentos
que eu tive ao longo do rolê e uma série de comportamentos que as pessoas
tiveram com essa notícia “Paula, a menina do Luxemburgo (o último bairro de Sete
Lagoas antes da zona rural) vai pra Europa”.
A primeira
coisa que tenho a dizer sobre tudo, é que foi no intercâmbio que eu me
apropriei com muita força da minha origem latino-americana e o quanto precisei
afirmar isso.
A segunda coisa é que muitas vezes eu tentei copiar comportamentos, sotaques, vestimenta dos europeus, na tentativa de me camuflar dos olhares preconceituoso. E que muitas vezes também carreguei meu minerês na tentativa de me impor sobre quem minorizava o lugar de onde vim.
A segunda coisa é que muitas vezes eu tentei copiar comportamentos, sotaques, vestimenta dos europeus, na tentativa de me camuflar dos olhares preconceituoso. E que muitas vezes também carreguei meu minerês na tentativa de me impor sobre quem minorizava o lugar de onde vim.
Essas duas
coisas podem acontecer com todas e todos, mas é interessante a gente pensar de onde
essas ações nascem...
Por muito
tempo eu quis me afirmar e provar o quanto o meu lugar merecia o respeito dos
europeus, e no fim das contas, hoje, eu penso o quanto o meu lugar merece o
respeito e reconhecimento das pessoas que o habitam. O quanto ir pra fora e
levar nossas questões é muito importante, mas que afirma-las no nosso espaço é
mais ainda.
No fim, o que
quero dizer é: Não perde seu tempo tentando convencer eles que a gente é tão
bom quanto eles, porque no fim das contas a branquitude europeia nunca vai se
convencer. Essa história de “ter que estar a altura deles” e tal, pra mim é uma
balela. E no fim das contas, eu entendi que a gente não precisa da aprovação
deles em nada. Porque o nosso jeito de fazer se dá de maneira muito diferente.
E também,
trate de dizer pra todo mundo aqui, que Europa é uma grande mentira. Muitas
coisas são verdades, mas muitas coisas são mentira também, e isso causa uma
frustração em tudo mundo em algum momento.
O Frantz diz
algo no livro dele que é bastante parecido com algo que eu vivi:
Entretanto, de volta à sua cidade, sobretudo diante aqueles que
não conhecem a capital, ele não lhe poupará elogios: Paris cidade-luz, o Sena,
os barzinhos, conhecer Paris e depois morrer... (FANON, 2008,p.35)
Eu nunca vou
esquecer a sujeira de Paris, eu sempre vou lembrar nesta ordem: sujeira, ratos em
todo lugar, torre, roubo, rio Sena e etc.
Não existe
paraíso, não existe paraíso ao qual se comparar na tentativa de se diminuir,
sabe? O que sua é cidade perto de Paris? É muita coisa e carrega talvez muito
mais que a capital francesa, que talvez você não saiba porque a história foi
apagada ou não dada como importante o suficiente pra ser estudada.
“O que é Sete
Lagoas perto de Caldas da Rainha?”
“Nossa, você
nunca vai querer voltar.”
“Como que é
lá, é muito melhor mesmo?”
Faz parte de
um processo educacional que eu acredito que nós fazemos parte, de falar tudo,
de conhecer tudo, e de reconhecer que essas cidades tiveram sua importância histórica,
assim como as nossas. Que viveram horrores e alegrias assim como as nossas, e
que a gente tem tentado com muita força buscar essa história que foi apagada.
Essa sempre vai ser a nossa diferença, eles apagaram a nossa história. E a
gente tá tentando resgatar, às vezes usando as metodologias deles, às vezes descobrindo
as nossas.
Uma coisa que
eu só fui me dar conta depois que voltei do intercâmbio é que eu não sabia (e
não sei) muita coisa da origem do meu país e da América Latina.
Outra coisa,
a UFMG é uma universidade de excelência, e não precisamos da aprovação dos europeus
para compreender isso. Muitas vezes eu ouvia:
“Nossa, você
já leu Lehmann lá na sua universidade? ”
E a minha
resposta sempre foi: “Uai, por que eu leria? ”
Nós não
precisamos que eles digam “sua universidade é boa” ou “your university is great”
ou “Votre université est bonne” pra que a gente saiba, bota fé?
Mas vamos nos conscientizar sobre essas questões que envolvem comportamentos que são provenientes de uma relação de colônia.
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